Confesso que sou um viciado em tv.
Para mim, um dos momentos mais relaxantes do dia ou da noite, é aquele em que pego o controle remoto e inicio uma longa jornada começando pelo canal 2, clicando até o 102, a procura de algo interessante, buscando encontrar alguma coisa que me chame a atenção, o que nem sempre acontece.
Aos poucos, tenho descoberto em canais variados, uma programação rica e saudosa, que me leva de volta ao meu passado, resgatando em mim aquela criança pequena que ainda vibra com personagens da tv como Batman e Robin, vestindo aqueles colãs estranhos, escalando prédios de papelão atrás daqueles vilões carismáticos e igualmente engraçados; ou diante do grande e poderoso Ultraseven e Ultraman; revivendo as aventuras dos patrulheiros rodoviários da série “Chips”; desvendando mistérios com o tigrão Magnum, entre outros tantos que fizeram parte da vida de milhares de crianças e jovens da minha geração.
Isso sem contar os desenhos incríveis da Hanna Barbera (Jetsons, Flintstones, Herculóides, Jonhy Quest, etc).
Esta semana num destes passeios televisivos, descobri mais um velho seriado sendo exibido por um novo canal: “A Noviça Voadora”.
Sem pensar duas vezes, liguei imediatamente para uma amiga da minha geração, que assim como eu costumava assisti-lo na época de sua exibição no Brasil.
Imediatamente, ela deixou de lado aquilo que estava assistindo, mudando para o canal que havia lhe falado, ficando então extasiada ao reencontrar depois de tantos anos com sua noviça voadora.
Parecia uma criança diante de um brinquedo, rindo, contando para mim como ela adorava aquele seriado quando era criança, lembrando-se dos velhos tempos, das saudades, etc.
De repente, recuperando o fôlego, disse: “Acho que no fundo, a gente quer mesmo é voltar a ser criança”.
Uma coisa pra se pensar.
Posso estar enganado, mas senti na sua fala uma certa melancolia.
Não que sua infância tivesse sido ruim, muito pelo contrário, mas penso que este reencontro talvez tenha despertado nela, e também em mim, uma saudade, de algo, ou quem sabe, de alguém muito especial.
A saudade de ser criança. A saudade da nossa criança.
Ser criança nos remete a infinitas possibilidades.
É como se pudéssemos retomar aquilo que deu errado e recomeçar tudo de novo.
Recomeçar do zero.
Reviver as primeiras amizades, os namoros, as lições de casa, os cuidados da mãe, as promessas de que tudo dará certo, as aventuras vividas no antigo bairro com os colegas da rua, os campeonatos de futebol de botão jogados na garagem, as paqueras nos bailinhos de escola, etc.
Ser criança. Tempo bom! Um mundo cheio de possibilidades.
Parece que diante de um seriado antigo destes, vivemos um reencontro com tudo isso, trazendo a tona a criança que nunca morre, mas infelizmente, acaba sendo esquecida.
Talvez essa melancolia que acompanha muitas vezes estas lembranças, nos aponte para uma grande perda construída ao longo de uma vida: A perda da capacidade de ser criança!
Ser criança não é ser infantil, mimado, sem responsabilidades. Isso tem outro nome.
Ser criança é deixar uma parte do nosso ser continuar a viver, expressando seus desejos, seus sentimentos, seus sonhos. Uma parte essencial para nossa experiência de vida.
Ser criança é continuar a brincadeira de roda, o bate papo furado. É sonhar. É querer escrever um livro com noventa anos de idade. É perceber que somos todos iguais e que a vida não é tão seria assim. Aliás, a vida é uma grande brincadeira.
Ser criança é retomar o contato com os velhos amigos da banda de garagem que você acreditava que seria um sucesso, e tornar a brincar, juntos outra vez.
Ser criança é deixar fluir o desejo de brincar. É sentir o brilho em nossos olhos ao entrar em uma loja de brinquedos, e se deixar levar pela emoção ao se deparar com o carro do Speedy Racer. É deixar o tempo passar lendo um gibi da turma da Mônica, do Tintin, do Asterix, ou do Tex.
Ser criança é começar a “ser”, deixando de lado o adulto que na maioria das vezes preocupa-se somente com o “fazer”.
Ser criança é a capacidade de viver de forma saudável com nosso lado adulto.
É enxergar cor onde muitas vezes, nosso lado adulto só vê em preto e branco.
É ter esperanças diante da crise.
É sonhar.
Ser criança é essencial para que possamos ser adultos.
Talvez essa melancolia sentida na voz da minha amiga, seja devido à percepção de que algo nela foi perdido. Esquecido. Não o passado. Não os acontecimentos vividos na infância. Algo ainda maior. A sua criança.
Talvez essa sensação de melancolia, este saudosismo que sentimos diante destas lembranças não seja de fato do passado não mais vivido, mas sim daquela criança que continua existindo e implorando para existir dentro de cada um.
A saudade da criança. A tristeza de tê-la perdido em algum lugar, dentro do peito, e o profundo desejo de reencontrá-la.
Não vou voltar a brincar de carrinho como brincava, mas continuo brincando até hoje. Aliás, posso dizer que tenho brincado muito. Brincado de tocar baixo com meus antigos amigos. Brincado de ser Psicanalista. Brincado de ser marido e pai de quatro gatinhos lindos. Brincado de desenhar e escrever. Brincado ao ler meus gibis. Brincado de fazer análise. Brincado, brincado e brincado.
Tenho aprendido cada vez mais a brincar, levando muito a serio cada uma dessas brincadeiras.
Parece que esses seriados antigos têm a capacidade de colocar nosso adulto diante da nossa criança assustada e amedrontada. Sozinha. Esquecida no fundo da alma. No fundo do poço. E assim, diante deste reencontro, um laço é formado novamente. O desejo de ser criança evolui para a percepção de que continuamos a ser criança...Eternamente, com muita seriedade.
Acho muito legal esta possibilidade que encontramos atualmente de reencontrarmos nossos antigos heróis, seja na TV, ou mesmo comprados em boxes de DVD.
Quem sabe este seja um meio para nos reencontrarmos.
Um reencontro com a nossa essência. Nossa historia. Nossos sonhos.
Um reencontro com a nossa criança, que muitas vezes permanece adormecida...para sempre.
Sergio Rossoni é Psicanalista, Músico e Escritor
email: sergio.rossoni@hotmail.com
www.sergiorossoni.com
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